Os 70 (Relíquias V)

O obradoiro de Doc, de Fraggle Rock, condensa em grande medida essa sensaçom dos 70.

Acho que já me está a passar, que foi um tempo vencelhado ao período que botamos a viver em Melide e em Lugo, lugares onde a transformaçom semelha mais lenta. Ou quiçais seria por volta da chegada aos 40 anos.

Mas durante uns anos, estivem a olhar para a década dos 70, a atopar os seus ecos nas ruas, nas montras, nos interiores albiscados das casas ao passar. Nom os anos do funk, mais bem aqueles que chegavam polas produções televisivas británicas e que me resultavam mais semelhantes ao que tinha arredor. Depressom industrial, brutalismo e vivendas em série, vidas obreiras e dias anuviados.

Pensar naquele espaço simbólico conduze-me a percepçom polos caminhos das paisagens urbanas, das revistas de decoraçom velhas, dos espaços públicos cheios de ferros enferrujados. Canda a isto, os interiores de madeira escura, a estética também da RFA, as paisagens alpinas com raparigos loiros a anunciar sintasol, os jérseis com desenhos, os relógios de cuco, os cartazes de lás Penguin Esmeralda. Ainda a TV a branco e preto, as barras de bar com acolchoados vermelhos nos bordos (quanto pode dizer dumha sociedade esse complemento nas barras, como amosa a aceitaçom do alcolismo, a importáncia do bar como espaço de socializaçom masculino, a atitude que se aguarda dos clientes, a longa duraçom das estadias…). Tudo embrulhado numha sensaçom de frio e dum certo rejeitamento que tenho vencelhado a esses estilos, como a sentir que eram algo sempre alheio ao meu ser, intrusos dum tempo que nom me correspondia.

Durante esses anos, estivem a atopar relíquias dos 70 por toda a parte, e nelas descobria essa sensaçom geral de decadência e da desapariçom inexorável que, sem tragédia, se leva posta. Recevia o impacto dum colecionista ao atopar um bar com o feeling exacto, um joguete, um cartaz de anúncio. Ainda as atopo, mas nom me batem do mesmo jeito, nom me perforam nem me dóim igual.

As supervivências dessa época marcárom desde sempre um espaço mítico anterior a mim, que chegou à minha vida já como restos dum naufrágio, em processo de substiuiçom polo neon, os solpores laranjas no caribe em todas as publicidades, a noite e as representações do deserto dos 80. Eram ecos e passados desconhecidos, cantantes melódicos, salas de festas, estilismos que ainda apareciam em reposições televisivas.

Por-me nesse foco levava-me a sentir o movimento do tempo embaixo dos pés, a desapariçom inexorável, a constataçom de que o manhá vai ser diferente. Som os edifícios que já vim nascer e desaparecer. As árvores e as cousas que semelhavam que vinham de sempre e que iam ser para sempre. Os setenta som quiçais a confirmaçom de que nom haverá outra vida para mim.

Assim, acho que olhar esses meus 70 era achegar-me ao baleiro que supom essa percepçom diferente entre o tempo vivido e o sem viver. Desque nascim até hoje passou tanto tempo como entre os anos 30 e o tempo no que cheguei. Mas aquelas décadas anteriores a um semelham muito mais prolongadas do que aquele tempo que olhámos. Já vi o auge e a caida do granito rosa porrinho na decoraçom, já som retros os bares nos anos 90. Quanto mais difícil e sermos conscientes das mudanças que se vam produzindo ao longo dos nossos anos do que aquelas que se sucedérom antes. Nalgum momento, perdémos a conta, possivelmente na altura em que a vida vai sendo mais igual a sim mesma e desaparecem as transformações vitais com os seus fitos. Continuam no entanto transformações silandeiras e contínuas que, sem balbordos, marcam apenas a nossa paisagem interior, nom se relacionam tam intimamente com modas, estilos, momentos externos, que perdem peso no conjunto.

Logo dum tempo com esse gume a fender por dentro, houvo algum momento no que foi mirrando essa força. Mudámos de lugar, evidenciárom-se outras preocupações que, possivelmente, estivessem a alimentar no escuro essa mágoa. Hoje podo olhar, sem dores, para esses tempos, para as relíquias.

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