A extensom de Dezembro

Dezembro desenvolveu-se alongado, como esticado um bocado à força, esgotador de jeitos diferentes aos que aguardava, mais carregado de chuvas, de tristuras e de sustos. Afinal, nom tivo o mês culpa nengumha, nem o sol no seu percurso marcado. Foi a vida, que acontece quando lhe quadra e pousa nos dias das maneiras mais aleatórias, a deixar umhas pegadas que apenas podemos distinguir.

Dezembro correu descomposto em mil facetas mal relacionadas. Atrapado em diferentes chamados de amizades, de trabalhos, de falta de sono, é em ocos soltos que aparecem o dó, a contemplaçom, a percepçom da maravilha que noutro tempo havia chamar vida. Entre umha respiraçom e outra consego focar a rua e percebir a sua beleza espida, sem tudo o que anda pola cabeça. Atopo mínimos momentos de respiro enquanto caminho a algum dever ou aguardo no dentista. Anotações apressadas e difíceis de casar feitas no telemóvel dam conta dos momentos que forom fazendo dias, e deixam fora outras tantas cousas que enchérom estes tempos.

Começa o mês triste. Nalgumhas jornadas, a mágoa limpa e cortante pola perda de Pepito semelha fundir-se com essoutra mais funda, a angústia conformada por dias frios, ruínas por toda a parte, cansaço e sensaçom de ter pouca saída, a repetir aquele rito de escuitar o Álbum Branco, próprio de invernos escuros. A cruzar esses velhos que já nunca poderám ser o meu tio, decato-me de que na sua ausência ficamos soltos, cada um numha soidade que se sente nova fronte à comum companha que ele construia a consciência.

Esses primeiros dias vinhérom marcados polos momentos nos que as bágoas acodiam aos olhos. Mas nunca perdim de vista que percorrer Dezembro estivo ao meu alcance, justo aí diante do pé. O sol tépedo mantivo ainda a esperança acessa.

No contraste apareceu o alívio dum dia de vagar, um serám a percorrer o Sar por Bertamiráns, os bandos de pica-folhas acelerados a outorgar-lhe à vista um dinamismo que nom se aguardava desta época. Numha expossiçom sobre arte e paisagem percorrer as sensações subtis que gera a criaçom contemporánea e que achegam sempre novas luzes de esguelho à minha própria reflexom sobre o jeito no que me relaciono com a contorna.

Logo foi voltar a Alhariz a caminhar as ruas já quase conhecidas e ainda surpreendentes, como um pequeno labirinto. O impacto das miniaturas de madeira deixa mais umha nova pegada nas voltas que dou arredor desses encontros com o mundo, fam-me pensar na possibilidade afastada de incorporar à vida esse tipo de cousas pequenas.


Celanova de volta, parar com vagar polo mosteiro, observar esse estranho urbanismo, pensar como sempre nas possibilidades doutras vidas. As vistas de Castromao e conversas demoradas, jantares que tenhem algo de ritos necessários para cumprir com o tempo. No mesmo caminho, o cozido em Lalim, os encontros acelerados em Ponte Vedra, de visita em visita. Pausas breves no sofá, a mínima manife contra os eólicos no frio de Becerreá, os jogos com o Breixo. A leitura de Saramago. Passeios pequenos e procurar ocos de outono.


As alegrias dos encontros e dos tempos cativos a dous foi-se mesturando com esse certo agóbio de montes de tarefas pendentes. Embora livre da tensom engadida de que deveria estar noutra parte a me refazer e nom a elaborar memórias, esses trabalhos sumárom-se ao frio e à chúvia como pano de fundo destes tempos.

A certa altura sucumbo à pressom. Fecho-me mais na casa colado ao trabalho, agobiado por rematar e fazer bem. Umha vez que se investiu certa quantidade de esforço, já custa pensar que tanto tem que nom saia, que nom vaia bem, que se poida perder. Tenho a sensaçom de que com esse peso sentem-se mais lenes essas sensações comuns que envolvem os movimentos mais diários. Sinto que me escapam e que deveria estar mais atento, que nom é para tanto o que me retem a atençom e um bocado o sono: O agarimo da água quente nas maos a lavar a louça. O agocho que proporciona a coreografia repetida de recolher a mesa e olhar as nuvens das três da tarde, já a anunciar o serao, como umha parte de fogar que nos acompanha de casa em casa.

Enquanto a chuva semelha me respeitar, e caim os mais fortes trebões quando estou na casa, constitue-se a impressom de ter passado um temporal dalgum tipo. As polas e as folhas caídas, as poças, os regatos de água ainda a correr, achegam a sensaçom de se ter salvado, ter saído de lugares mais fechados do que os que conformam estes dias de luz lene.


Dalgum jeito mudamos horizontes, perdemos planos, começamos a nos mover em novas perspectivas nas que há um certo alívio e, ao tempo, umha necessidade de pensar a meio praço. Por dias, dezembro achega umha trégua que permite curar e mudar, erguer a vista do chao, menos carregados.

Com todas essas incertidumes, este tempo nom foi escuro. Poderia ficar na memória por essa luz de arco-da-velha, de ruas enchoupadas, as folhas apegadas à pedra, e o sol a se reivindicar no meio das nuvens. Sempre foi dia às seis da tarde e eu decatei-me, como a comprovar que já nom olho a escuridade na maneira doutros tempos.

O particular reencontro co a gente de Holanda, marcado por nos ter visto há poucos meses e por umha estadia longa, achega umha sensaçom de normalidade, de se poder ver com vagar e nom restringir a conversa a esse se pôr ao dia rapidamente que tanto quadra nesta época. A conversa flúe e comprova-se como continua sintonia e as reflexões comuns, como poderia ser possível esse combinar sem planificar, ao jeito doutros tempos.

Fronte a essa normalidade, abundárom nestes dias os encontros extraordinários. A juntança multitudinária em Ponte Vedra. Compras e passeios. O estranho e alongado reencontro com os irmaos, logo de dous anos sem quadrarmos juntos.

Por esses recantos de jerseis grosos e luzes lenes, de infusões e de pousos, albisco polo recanto da minha visom saturada que poderia estar comodo neste mês, que me é possível atopar nele a mesma esperança que aboia nos primeiros tempos do inverno. Afinal os dias e os agóbios das festas passam enquanto estamos a outras cousas mais importantes que nom chegamos a saber quais som. Quiçais umha mestura entre olhar as nuvens e burocracias.

Em insônias separadas, por duas noites, em casas diferentes, escuito umha pinga a bater no teito, clara e rítmica coma un relógio. Nada dá para pensar que fosse real, e lembro os golpes na porta que alguém da minha família sente depois dos enterros.

O mês transcorreu enfim longo, atrapados os seus estremos por mágoas diferentes. Dumha bamda a tristura cristalina da morte de Pepito. Da outra, a ánguria peçonhosa e mesta que deixa a crise forte dum amigo. A pegada é de sensações de impotência, a fragilidade na que rapidamente cai a vida, as separações forçadas e, mais umha vez, a promessa de tempos que nom vam ser melhores. É o que toca por idade também.

Nesses contrastes, dezembro lembrou-me que nunca as escuridades som completas. Há quem recupera aços, há quem continuamos esforços sem termos muito claro o horizonte. Remata o mês, do ano sei lá. Agarimo os mortos, pergunto-me como nos deixará a sua acumulaçom crescente nas costas, como seremos com os problemas a medrar. E por vezes loze um sol que nom preciso que me achegue consolo.

(E neste 28 de dezembro fez 20 anos o primeiro post de Trapobana).

Esta entrada foi publicada em Na ilha. ligação permanente.

Deixe um comentário