Os futuros de maio


Nom demos parado maio. A voda de Isa e Jose apareceu no começo coma umha paréntese de irrealidade a alterar a rotina de preocupações e cousas pendentes. Resultou difícil achegar-se a esse tempo extraordinário, tam afastado dos dias comuns. Em maio multiplicam-se as citas perdidas, as cousas que se podiam fazer, e nom se abordam.

Nessa e noutras oportunidades de festa arredor, a mocidade aparece de jeito enganoso como algo que deixamos atrás há menos dumha década, que permanece ainda em nós, a aguardar circunstâncias favoráveis que nos ham tirar achaques e nos voltarám as ganas. E que somos nós mesmos quem nom lhe queremos dar chance, convencidos já de que o bom está cá mesmo e de que aquilo que queremos na realidade é calma e algo de tempo mol para nos deixar ir e resolver alguns desses proídos que nos mantenhem acordados fora de horas.

Os dias desenvolvérom-se com certa saturaçom, num cansaço que se foi dispersando ao longo do mês. Fórom aparecendo noites de dormir bem. Recunquei numha caminhada enorme. Batim a marca oficial, que nom a real, de estar em forma. Trabalhei a fundo em gráficas e letras, e outras histórias. Descobrim o país da chúvia. Tivérom estes dias os seus momentos de agóbios com as ajudas. Tudo se puxo mal por certos momentos: O carro, as doenças de velhos e de novos, a ortodóncia de Belém, a fontaneria na aldeia, os auriculares que falham, o telefone, o feche do ginásio em linha. Revelárom-se necessidades pendentes que até o momento nom se viram: Calçado, um cinto, pantalões, umha gorra para o verao. No meio de tanta ocupaçom e necessidades, os encontros (jantar e café com Isa, Luzia, Tino) ficárom breves e insuficientes, como se a primavera exigisse se desenvolver em companhia.

Como se previa, maio marcou fronteiras. A das sombras, para começar. Estes dias ratificárom a divisom da paisagem em áreas. As folhas completas fam seus a base de sombra anacos do chao, cambiantes e efêmeros. Conformam, esses perfis um mundo bem mais sólido, concretado baixo esta luz crescente, do que aquele do inverno. O peso do sol compacta a realidade, outorga-lhe umha entidade que fica nidiamente separada dos céus. Nom há possibilidade de se enganar, estamos num contorno onde cada cousa corresponde a um lugar concreto, sem enganos.

Nos malestares de maio aparece um desacougo de estar no meio, com dias nos que, mesmo a ter cousas por rematar, dam para relaxar a cabeça. Saio passear a Bonaval e fago-me consciente de como venho dum tempo de me agarrar a lugares sombrios, do Outeiro de Watership, do ambiente invernio das partidas de rol que achegou por meses um conforto de lugar velho. Estivem a procurar o amor ao outono em signos que apenas aparecem nesta altura, no frescor das tardes, na terra molhada. Agora atopo-me sem preparar para o verao, um tempo que nom permite ficar calado e caminhar sozinho, nom achega tréguas de tardes de chúvia que passar na casa. Como muito, facilita o se deitar baixo as árvores, deixar-se levar na hipnose que o vento prepara com a folhagem. E há que se afazer. Mas a realidade será que venho dum tempo de sobreabundancia de atividade, da alerta constante, e que nom sei abandonar de tudo sem culpabilidade. Maio é como deve ser, som eu o que nom dá apanhado a sua sintonia.

Os meses de primavera tenhem o carácter inasível que lhes proporcionam as mudanças vertiginosas. Ao tempo, por momentos semelha conter a promessa de que vai ser possível se deitar ao sol e que o conjunto seque o ruído de fundo que nos acompanha. Como se neste tempo, e no verão, fosse mais singelo se deixar estar simplesmente, abrumados por umha conspiraçom de vida na contorna que tem a capacidade de nos baleirar como por saturação. Nom podemos atender-nos e atende-la, tam extraordinária ela, tam cheia de reclamos e matizes, feita um molho enorme de evocações que nos toma por asalto até nos anular o pensamento.

Desse jeito custa imaginar o que vém por diante. As possibilidades de descanso para o verão resultam pouco concebíveis na altura. Sei lá se acadarei mergulhar-me nesse tempo, se serei quem de deixar cobrir a cabeça pola água até me unificar no momento baixo a pressom desse abraço. Compre mitigar esta cisom na que me desenvolvo há tempo. O futuro tem direito a descansar, deixar de tensar-me a vida com tanto projeto enorme e ser de novo pequenas melhoras e os encontros planificados da semana, com ocos nos que a espontaneidade se poida desenvolver ao ritmo do briom.

E, no entanto, achego-me a esses dias com a incertidume de se é isso o que quero, se estou para tanta exaltaçom quando o pensamento primeiro é sempre de agocho, tranquilidade, convalescença. Sei lá. Agradeço a tentativa quando menos. Hei acudir aos ríos e à erva, encherei o olhar de polas a dançar no vento, deixarei-me anainar polos grilos, as folhas ou as ondas, sem deixar que me superem, apenas que fagam por me recuperar. Nestes tempos Doutor em Alaska pom o contraponto, um noiro conhecido no que amarrar cumha corda frouxa que nom turra por mim.

Nas breves férias (o dia com os Segarra, o mar espido, caminhar, beber, dormir), fago por retomar leituras de antropologia que sempre me vejo canso de mais para abordar. A claridade das explicações, os achados constantes, o jeito detetivesco da disciplina continuam a me emocionar o tempo que, coma a escrita, achegam-me umha imensa preguiça. Desfruto os primeiros banhos do ano sem emoções engadidas. As sensações gratas nom me atrapam como noutros tempos, em que sacralizava esses fitos de vida. O Mediterráneo e o seu sempre exuberante fundo nom decepciona. As rochas e os peixes, o descobrir e o conhecer, mantenhem-se-me como grandes prazeres.

A longo do mês confirmou-se a minha afeiçom ao chá preto. Atopei muitas manhás nesse estado mental que produz a beberagem. Sem me livrar de tudo do sono atrasado, descobro-me a miúdo baixo a sua influência numha nebulosa conformidade com as cousas, adubiado com certo pouso afastado dumha alegria gasta. Amo as partes do mundo com vagar nesses momentos e atopo-as situadas em seus lugares. Desfrutei também neste mês de jeito particular do sabor do cozido e as suas variantes, cada bocado a nos levar a um lugar diferente, sempre agarimoso no passado.

Maio também foi um tempo de assombros de passaros. Combates entre um esmerelhom a levar umha pomba com um corvo e umha gaivota. Um pardal que visita a nossa casa. Fochas, umha bubela, a parelha de esmerelhões de Alacante e a de minhatos do Gaiás. Crias de parrulos, de mergulhões, de galinholas. O ninho do ferreirinho. Lotes de avistamentos fugazes, lóstregos sem identificar. E três lontras juntas de agasalho.

No político fica claro que a nossa esperanza só pode ficar no horizonte afastado, e que só a focar em pequenas conquistas é que podemos, mais umha vez, atopar consolo. O mesmo compre assumir que moramos num tempo escuro e agradecer o bom que saia, por cativo que seja, como umha milagre.

No final do mês aparece a proximidade da morte. O temor aos cuidados e à agonia enfronta-se a realidades complexas nas que ficam espaços para o agarimo, os risos, a serenidade para enfrontar o final. Mistura-se a gravidade do período com as cousas de cada dia. A distáncia impede que tome tudo, e criam-se cenários paradoxais nos que essa sombra bate com o quotidiano. A vida, quando reclama o seu peso, revela-se sempre como mais complexa do que se podia pensar.

Num dia concreto pola rua chega-me o vislumbre do que supom umha manhá de primavera. Conecta essa luz com um tempo concreto da vida: os 11 ou 12 anos, ir à biblioteca do trinque nas manhás dos sábados. Tudo era novo naquele tempo, e ficou vencelhado aos céus abertos e ao arrecendo dos livros acumulados. Daquela provém todo o poder de maio para erguer esperanças, com esssa luz que infiltra de jeito oblícuo desde o futuro e transcende os dias que vivemos. Tem aí o mês algo que nom é das horas que abrangue, ficam os tempos inclinados cara a lugares que nom som, e o terreio fai-se menos firme, esvaradio cara a umha esperança inconcreta, caminho da fantasia e diferente de todos esses planos que nos andam a complicar a vida. É esse desequilíbrio que nos esgaça cumha maior facilidade do que outros meses, que nos achega desacougos em planos ignotos. Maio trabalha por detrás e nom sabemos na realidade o que nos anda a fazer. E é assim, desse jeito meio inconsciente e desequilibrado, que se pode amar.

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